Coco avant Chanel











Seguindo uma das minhas decisões-de-antes-do-ano-novo,fui ao cinema assistir " Coco antes de Chanel".( Nada pior do que passar o Reveillon com uma lista de 999 resoluções a pôr em prática nos revoando a cabeça, nada melhor do que começar IMEDIATAMENTE!).

Só o fato de ser um filme falado em Francês sobre importante figura francesa certamente já garantia minha extrema simpatia. Para provar com fatos a veracidade do que digo, revelo do que sou capaz: antes do filme fui tomar um café na Livraria da Travessa e propositalmente escolhi uma mesa ao lado de uns franceses.Mais especificamente de dois franceses e duas francesas, todos de meia-idade: um magro alto descabelado de nariz proeminente e mão ossuda, daqueles franceses que se sentam sempre cruzando as pernas e com as mãos certamente segurando um cigarro não fossem as recentes leis anti-fumo, um careca mais baixo,vestido de preto, de olhar atento com " um quê" de Foucault, uma senhora robusta de cabelo branco e uma outra mulher que infelizmente minha posição na mesa não permitiu analisar.



Não que eu pretendesse me apresentar e interagir, mas sou uma espécie de " voyeuse auditiva" - ou, se preferirem, écouteuse- dessa língua tão acalentadora...Ouvir Francês pra mim sempre vale o ingresso já pela sonoridade, independente do conteúdo.Se o conteúdo fôr valioso,vira uma ocasião Mastercard.("Existem coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras existe MasterCard.")Os franceses da mesa ao lado não pareciam estar confabulando como vão retomar a hegemonia cultural mundial das mãos dos americanos e nem apresentaram planos mirabolantes para tornar o Francês língua obrigatória mundial e o papo na minha mesa muito me interessava, sendo assim me dei por satisfeita apenas com pequenas frases entreouvidas a esmo.

O fato de ser o filme sobre uma mulher visionária do mundo da moda garantia uma cota de boa vontade extra.Pouca coisa poderia dar errado pra mim ou fazer com que eu não gostasse do filme.Talvez só se houvesse um apagão no meio da sessão ou se a Audrey Tatou resolvesse sair da tela ao estilo Rosa Púrpura do Cairo e mandasse os espectadores pro inferno no meio da fita.Pensando bem, nem assim...Sendo assim, já saí de casa sabendo que ia gostar e portanto evitem ir completamente nas minhas águas.



Se o filme romanceia demais e altera os fatos,não tenho como avaliar pois bem pouco sabia sobre Chanel antes de entrar no cinema.Provavelmente mais cedo ou mais tarde irei pesquisar e descobrir os arroubos de licença poética que eles, como todos os filmes aliás,sempre usam.Mas isso definitivamente não é relevante no momento.

Assim dito, posso tendenciosamente dizer que gostei pacas do filme sob vários aspectos.Por exemplo: a maquiagem/ cabelereiro deixou a protagonista no início do filme com cara de sofrida e sem trato, com sombrancelhas completamente ao natural, cabelão de Rapunzel cheio de frizz, roupas amarfanhadas... o visual,o gestual, o emocional e o mental da Chanel foi-se observando em progressão paulatina até o fim do filme.Apenas isso, sem precisarmos atentar para o conteúdo dos diálogos, já marcava a mudança de pobre órfã à endinheirada e venerada Chanel.Isso fica claro nas tomadas ligadas ao ofício em que Coco manuseia panos, chapéus, lida com clientes do início ao fim do filme.





No início, quando ainda nem morava em Paris, era uma mera costureira-funcionária que se deslumbrava ao ver o mar pela primeira vez em Deauville na Normandia, seu olhar para a cliente é completamente subserviente,uma vez tornada Mademoiselle Chanel deixa com desenvoltura as clientes famosas nas mãos de uma assistente pra dar umazinha com seu amante inglês charmosão.Muito do filme se passa no não dito, em " detalhes" de gestual, de semblante, de inflexões de voz.Até o jeito de pegar os tecidos e assentar os chapéus nas cabeças das clientes muda, e não podia deixar de ser diferente, da água pro vinho.E que vinho!!! (Sendo esse, junto da Moda, um outro grande domínio francês.)



Além disso, nada como a confiança no próprio taco suficiente para se mudar para Paris com a cara, a coragem e um empréstimo no bolso apostando na própria capacidade de gerir um negócio vanguardista num mundo dominado por homens em que a maioria absoluta das mulheres cairia de mãos pro céu em agradecimento ao receber uma proposta de casamento que incluía castelo,comida( francesa), roupa (de Coco antes do rebuliço Chanel, mas que certamente já tinha seu encanto)lavada e passada, cachorros lindos deitados aos seus pés nos belos tapetes, vigorosos e premiados cavalos de corrida para se montar ao bel prazer, serviçais empertigados em seus impecáveis uniformes circulando por aposentos aristocraticamente decorados com direito a retratos pintados de antepassados ilustres do futuro marido na parede e uma vida social tão borbulhante como Champanhe com idas ao hipódromo sempre intercaladas com teatro e animadas recepções na própria e bela propriedade.Ufa!

O que poderia ser melhor do que ser dondoca e completamente aceita socialmente por meio de um casamento numa época e lugar onde era perfeitamente aceitável- e invejável- sê-lo?! E podendo criar não por desafio ou obrigação, mas unicamente por deleite pessoal?( enquanto sua própria irmã tinha que se contentar em ser a "teúda e manteúda" de um barão, sem o reconhecimento social que os laços do matrimônio conferiam naquela época.)Só uma hipótese: se tornar mundialmente conhecida como Mademoiselle Chanel pelo mérito próprio de revolução operada não apenas no mundo da Moda,bien sûr, mas dos costumes ao ser aceita transitando num mundo profissional masculino,trajando de forma revolucionária e corajosa e depois comercializando roupas tradicionalmente masculinas,montando a cavalo de frente vestindo calças e não de lado, numa posição desconfortável,encilhada por espartilhos e praticamente imobilizada na sela por frufrus e bordados...

Entretanto suspeito que,caso Chanel frequentasse regularmente o divã de algum psicanalista, provavelmente chegaria à conclusão que, apesar de sua escolha encerrar
inegáveis méritos,talvez seja devida em grande parte à mais absoluta incapacidade emocional da pequena órfã abandonada pelo insensível pai ( que nem olha pra trás e seuqer se despede ao depositar as filhas no orfanato)de agir de qualquer outra forma que não essa e arriscar temerariamente uma segunda vez depositar seu bem-estar emocional e material nas mãos de um homem-salvador.Mas isso é papo de Dr.Waldemar Zusman...

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