Inveja dos anjos

Esta semana fui assistir " Inveja dos Anjos" depois de longo e tenebroso inverno sem ir ao teatro.Tenho dessas: apesar de gostar de teatro, sou gata escaldada por ter visto tanto "porcariol" que hoje em dia penso mil vezes antes de comprar um ingresso ( mas dessa vez tive a sorte de ganhar o ingresso e ainda por cima de poder convidar vários amigos, eba!) Sei lá que sentido faz, mas me traumatiza muito mais ver uma peça ruim do que um filme ruim.Parece que filmes ruins são mais facilmente metabolizáveis.


Praticamente tinha desaprendido o que é ir ao teatro.Contraditoriamente fiz teatro no colégio e periodicamente entro numas fases de achar que valeria a pena entrar num curso de teatro não pensando em me profissionalizar, mas pelo exercício mental e sobretudo emocional de encarar uma platéia.( E sobretudo uma quase vazia...).O teatro me fascina, é no mínimo uma ousadia o sujeito subir num palco caracterizado como um personagem e se dispor a convencer toda uma platéia que sabe de saída que aquilo tudo é de mentirinha.Só de acreditar na idéia, se dedicar, ensaiar, decorar o texto...os caras já merecem algum elogio.Colocar uma peça em cartaz já é uma grande exposição da figura, atuar nela de cara pra uma platéia então...nem se fala.



Apesar da peça ter recebido ótimas críticas na imprensa, o espetáculo não estava propriamente entupido.Entupido estaria a platéia pro show do Manu Chao que seria dali a algumas horas na mesma Fundição Progresso.(Na saída, vimos uma turba se acotovelando na porta.) Aliás sempre me pergunto como sucesso não tem necessariamente uma relação direta com um trabalho bem desempenhado e sim com cair nas graças do público.Deve ser muito louco para os artistas viverem ao sabor disso. Eu que não nenhuma rock star mas trabalho sempre com platéias ( fazendo interpretação simultânea/consecutiva), já tive a experiência de achar que num dia específico meu desempenho não tivesse sido grandes coisas e no entanto, ao final, alguém da platéia vir me procurar despejando elogios efusivos e inesperados.E já aconteceu mais de uma vez.É engraçado como existe uma desconexão entre a sua avaliação do próprio trabalho e a avaliação do público.E isso tanto para o bem como para o mal, estou certa.Acho que atores e músicos haverão de concordar comigo.

Fui ao ultimo show do Manu Chao no Rio, há alguns meses, e pra mim não valeu a pena.Fui pensando em ouvir algumas músicas legais e ele tocou um monte de músicas repetitivas que pareciam ser a mesma, tipo "ouviu uma, ouviu todas".E as pessoas ao meu redor pareciam estar em êxtase! A sensação foi semelhante à que tive qdo, lá pelos meus 18-19 anos, fui a uma festa em que todo mundo estava fumando maconha, menos eu.O povo achava graça de tudo, pareciam estar curtindo horrores e eu não achando graça alguma.Uma baita discrepância.Todo mundo deve saber o que é a sensação de estar algumas doses menos calibrado do que o interlocutor e como isso é chato...



O espetáculo foi bem criticado até, imaginem vocês, pela arqui-temida Bárbara Heliodora!

http://oglobo.globo.com/cultura/rioshow/mat/2008/12/04/teatro_para_barbara_heliodora_inveja_dos_anjos_um_dos_melhores_espetaculos_do_ano-586840915.asp


Normalmente não dou muita bola pra crítica ao escolher um filme/teatro, salvo qdo sei que o crítico não é um mero ilustre desconhecido, em quem não sei bem se devo confiar...Sem falar que aspectos técnicos e práticos serão sempre discutíveis mas, já diz a sabedoria popular, gosto não se discute e tentar é uma temeridade.(É como a beleza humana: eu teimo em achar que beleza, ou pelo menos os padrões de beleza clássicos, dá pra discutir sim.Todo mundo sabe, ou deveria saber reconhecer, o que é um nariz harmônico, o que são olhos expressivos, o que é uma boca bem desenhada.Mas vá você discutir beleza em mesa de bar e logo verá que as pessoas não discutem a beleza pura e simples, discutem sim a atratividade.E poder de atração, ora bolas, não é sinônimo de beleza.Se uma mulher ou homem não são propriamente bonitos mas atraem pencas, é porque são atraentes por outros motivos ( simpatia, voz, jeito de falar, jeito de andar,personalidade, seja o que fôr...) mas isso não os torna tecnicamente belos/as e sim atraentes, desejáveis, seja lá o que fôr.



A Bárbara Heliodora, quer gostem ou não e de forma objetiva, é reconhecidamente alguém cujo percurso de vida indica que sabe muito bem do que está falando.Imaginem o que deve ser o cérebro de uma criatura que já traduziu mais de 10 peças de Shakespeare para o Português!!! No mínimo inteligente, culta e preparada ela é.E já que é crítica de teatro, ninguém pode acusá-la de deixar de beber na fonte teatral.Ela tb dirigiu peças, foi professora de Dramaturgia, História do Teatro, Análise de texto em universidades reconhecidas como a USP...ou seja: mesmo não sendo infalível, ninguém há de negar que se há alguém sobejamente preparada para fazer uma crítica teatral com belo conhecimento de causa, esse alguém é ela.

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