Socorro, cobrançaaaaa!

Cobrança é uma palavra que faz todo mundo se arrepiar. Ainda mais quando levada para o campo dos relacionamentos afetivos. Nem tem mais graça ouvir as pessoas reclamando de parceiro ou amigo-cobrador.Volta e meia ouço essas variações sobre o mesmo tema vindas de pessoas completamente diferentes.Outro dia um rapaz reclamava que a ex cobrava demais a sua presença e também cobrava que fossem morar juntos quando ele não estava disposto.A relação foi pras cucuias, aparentemente sem deixar boas lembranças. Exemplos aqui não faltariam, mas o que mais me impressionou recentemente, e deixando o segundo colocado a léguas de distância, foi o caso de uma amiga.

Essa amiga tinha um amigo. Um amigo até mesmo confessadamente interessado nela como mulher. Só que minha amiga não está no mercado, tem namorado e vai muito bem, obrigada. Comunicou que ele não tinha a mínima chance e ele aceitou continuar sendo “ apenas” amigo.Aceitou da boca pra fora, pelo menos.Esse amigo era dedicado, mas solicitava a minha amiga além do que ela estava disposta.Era o típico: “eu me dedico a você, mas atenção:isso não vai ficar barato.” E não ficou mesmo. Há pessoas que dão muito de si sem que ninguém peça e depois cobram com juros e correção monetária. E a fórceps.E nem todo mundo está disposto à relações assim.

Ele ensaiou um primeiro ato da ópera quando certa vez exigiu que a amiga saísse de outro compromisso social para atendê-lo. Bombardeou a criatura com torpedos frenéticos tentando fazê-la se sentir culpada e depois fez muxoxo. Depois tentou se vingar fazendo com que ela sofresse por essa suposta desconsideração. Não discuto o mérito da questão, de quem tinha razão e nem coloco em dúvida que ele tenha se sentindo realmente mal e rejeitado na sua dedicação. Discuto que, quando um adulto se sente rejeitado por outro, não cai nada bem reagir como uma criança. Nem numa criança devemos aceitar passivamente ataques de birra, tentativas de manipulação. Até nas crianças devemos tentar ensinar que não é assim que ela vai conseguir alguma coisa da gente. Mas muito pai e mãe por aí se vende por ataques de choro ou de fúria....e muito filho cresce sem saber como negociar como adulto, sem grandes cenas.

Meses depois, o ex-amigo pediu desculpas indiretas à minha amiga e disse que tinha sido um panaca. Que ela podia contar com ele e se reaproximar. A reaproximação não durou muito porque aconteceu o ato derradeiro da ópera: o segundo ataque de fúria e frustração.


Sentindo-se mais uma vez preterido socialmente (o que não significa ter sido preterido no mundo real e sim como a pessoa absorve ou reage ao que considera uma rejeição, mesmo que não tenha sido o caso...) o indivíduo reagiu de forma ainda mais surpreendente do que na primeira vez. Primeiro por torpedos muxoxentos e depois por uma cena digna de novela: com direito a palavrões vociferados e sinais obscenos com as mãos. Cabe esclarecer o leitor que o ex-amigo é um senhor muito respeitável e aparentemente equilibrado dos seus 50 anos. Não que a idade nos obrigue a nos tornar mais equilibrados, mas equilíbrio cai bem em todo mundo, e, sobretudo nos mais velhos. Isso me lembra de uma história contada pelo Washington Olivetto. Perguntaram como tinha sido ganhar Leões de ouro em Cannes aos 20 anos.Ele respondeu que foi ótimo, e sobretudo porque assim ele pôde ter sido idiota numa idade em que isso é plenamente aceitável.

Não sou especialista em cobrança e nem em não-cobrança. Prefiro não cobrar a ninguém.Quando é absolutamente necessário, converso.Não fico me lamuriando eternamente como aquelas pessoas resmunguentas e muito menos jogando indiretas ou fazendo a pessoa pagar por pecados que nem sabe que cometeu. Quando a pessoa não se toca mesmo e aquilo é muito importante pra mim, seja em amizades ou namoros, digo: “Olha, isso aqui não está bom pra mim. Temos como mudar?” Depois deixo a bola com a pessoa e observo.

Ou senão, em situações nas quais deixei meu saco transbordar completamente e resolvi tirar meu cavalinho da chuva definitivamente, não cobro xongas, apenas comunico que pra mim já era. Inês é morta. Bau-bau.

Meu melhor amigo me passou um dos ensinamentos que considero mais valiosos: “Faça o seu melhor num relacionamento. Se não der certo, depois vc não terá nada do que se arrepender.” Anteriormente já tinha me sentido preterida umas duas vezes por essa mesma amiga da história. Eu, que tinha feito o meu melhor no relacionamento de amizade com ela, estava tranqüila. Na minha cabeça, ela que tinha escolhido mal a prioridade e não havia nada que eu pudesse fazer, além disso. Não cobrei sequer educadamente, que dirá dar pití ou ter acessos de raiva. Deixei pra lá.

O tempo passou, essa ocasião em que outra pessoa a acusou furiosamente de não prestar a devida consideração chegou, e resolvi comentar: “olha, vc não sabe, mas já estivemos em situação análoga.”

A diferença é que, ao me sentir frustrada na minha expectativa e rejeitada, por ter uma estrutura psicológica diferente da dele, reagi diferente. Não cobrei e não dei ataque.


Acho um saco ter que cobrar de algum amigo ou namorado, geralmente se a vontade de retribuir não nasce espontaneamente no outro, não me interessa. Posso sinalizar que algo não vai bem, mas sem grandes arroubos, sem cenas de novela, sem palavrões e muitíssimo menos patéticos sinais obscenos com meus dedos médios... Consideração arrancada a fórceps não tem valor.

5 comentários :

Regis disse...

Clap clap clap clap! :-)

Ana - Hoje Vou Assim OFF disse...

muito bom, ana. sabe, eu confesso e muito encabuladamente, que às vezes não procuro tanto os amigos.

Sou o tipo de amiga que se vc ligar de madrugada precisando de ajuda, saio correndo, pego um taxi e vou onde vc estiver.

Mas confesso que me fecho no meu mundo às vezes e deixo de compartilhar com os amigos que eu gostaria de um passeio, uma pizza, de um papo no telefone. Eu tenho uma timidez que ainda mora em mim. E um pouco de preguiça - confesso mais uma vez.

Eu estou trabalhando nisso. E esse post me ajudou a refletir mais e mais.

Bjs,
ana

Jocum Ponta disse...

concordo!!
e como ja diziam na multidão de coselheiros se encontra a sabedoria!!!!

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Gustavo Gaspar disse...

Teminha espinhoso, hein!
Quando fui supervisor em uma indústria comprovei na prática que a cobrança é um instrumento imprescindível no trabalho: Não há como fugir, as pessoas tem níveis de percepção e consciência diferentes(urgente pra mim pode ser "pra ontem" e pra você "no fim da tarde")e quase sempre cobrar se faz necessário, ou as coisas não funcionam.Cabe sempre ao chefe essa espinhosa tarefa, e muitas vezes esse poder pode torna-lo autoritário e insensível.
Já nas relações de amizade e amorosas penso que seja o contrário: cobrar quase sempre é um recurso que acontece quando as coisas não vão bem, ou alguém se sente prejudicado.
Eu nunca me senti muito a vontade cobrando, me lembra sempre mãe severa, professor rígido e chefe carrasco. Seria muito mais legal que as pessoas pudessem se entendem sem fazer uso desse recurso, com diálogos e na base do "exemplo": demonstrando através das próprias ações, agindo com o outro como quero que o outro aja comigo.
A cobrança em alguns momentos pode até ser eficaz, mas que no fundo só denota nossa incomunicabilidade e dificuldade de aceitar plenamente o outro.

Juliana Desbra Vando disse...

Taimemoinonplus,
Estou aos poucos voltando ao nosso cyber mundo. Que bom te ver produzindo! Sobre as cobranças, parece que eu tava lendo uma história passada sobre alguém me cobrando algo que eu não podia dar. Mas noto que muitas vezes alimentamos estas cobranças, sabe? É preciso saber quando dizer não e é preciso saber dar um não bem dado! Se outro quiser dar piti depois, bom, cada qual com seus pobremas...Bjo.