L' embarras du choix

Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo que você vê você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Dizia: Meu filho, que se há de fazer
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade


(Ai, que saudades da Amélia- Ataulfo Alves e Mário Lago)



Tá bom, Amélia que era mulher de verdade, mas e agora?!


No tempo da minha avó, sabíamos qual era o tipo de mulher indispensável: a Amélia.Ou melhor ainda, um upgrade: a Amélia-gueixa, reunindo o melhor de dois mundos.Mesmo assim, algumas mulheres da geração da minha avó resolveram partir para o mercado de trabalho, rompendo de vez com a dedicação exclusiva à prole, às lides domésticas e a tarefa de agradar o marido por todos os meios.

Minha mãe já foi o modelo oposto, o “Deus-me-livre-depender-de-homem”: meteu a cara nos estudos, trabalhou compulsivamente desde cedo e preferia muito mais pilotar carros do que fogões – sempre comprados por meios próprios e JAMAIS emprestados/ dados pelo marido. Passou a vida adulta toda fugindo da cozinha e dependendo de empregadas o mais que pôde.Parecia que ser a anti-Amélia era uma questão de honra.

Se praticamente coloco minha mão no fogo que minhas avós casaram virgens, esse não foi- e declaradamente- o caso da minha mãe. Há muitos anos tive essa curiosidade, perguntei e a resposta veio sem um pingo de hesitação: “Não se deve comprar nabos em sacos...” (Segundo Antenor Nascentes em seu “ Tesouro da Fraseologia Brasileira: “ aceitar uma coisa sem examiná-la.”

Pois bem: minha mãe se casou não- virgem, sem véu, sem grinalda e sem flor de laranjeira diante do juiz.Fez algumas concessões mas não todas ( fez questão de continuar a carreira numa época em que não apenas era socialmente aceito mas era mesmo de se esperar que uma mulher cujo marido pudesse sustentar a família não trabalhasse fora.)

Da geração da minha mãe pra minha, da década de 70, muita coisa mudou! Além da “modernidade” da lei do Divórcio em 72, cada vez mais mulheres foram para o mercado de trabalho e por lá ficaram, mesmo depois de terem filhos. Minha mãe foi muito questionada sobre a razão de trabalhar tão ferozmente muitas horas por semana. Hoje em dia a situação mudou comp-letamente: agora é a mulher que não trabalha ferozmente ou que larga a vida profissional para se dedicar à maternidade ou a cuidar do lar-doce-lar que é questionada duramente.Isso quando não fazem terrorismo-realista com a pobre: “ Olha, os juízes não dão mais boa-vida à mulher não, se depois ele te larga de uma hora pra outra você fica com uma mão na frente e outra atrás...”

Mais antigamente ainda era tudo muito mais previsível, claro, não se tinha possibilidade de escolha. A mulher tinha que casar, parir sempre mais de um pois se considerava filho único uma temeridade ( estragado, mimado, metido, perdido para todo o sempre...), se dedicar ao marido,saber cozinhar bem, saber gerenciar o lar e os filhos, aceitar sempre estoicamente as traições do marido, esperar sorridente e perfumada a volta dele à noite, aconchegá-lo, perguntar como tinha sido seu dia de trabalho, falar de amenidades, servir o jantar e estar disponível sexualmente para ele mais tarde...basicamente era esse o resumo de atributos da mulher que os homens procuravam.Mesmo que não fosse a única.

Putz, hoje em dia é tanta opção de TUDO que dá mesmo um trabalhão escolher. Hoje até comprar um mero creme pro cabelo é uma tarefa de Hércules tamanha a avalanche de produtos no mercado.Outro dia na manicure vi uma mulher demorando uns 5 minutos para escolher entre uma gama de uns 7 tons de vermelho diferentes...Imaginem só isso aplicado à escolhas mais sérias...


Hoje podemos casar ou não, um monte de gente nem casa, só vai morar junto. ( No colégio de freiras ultra-tradicional onde estudei, só se aceitava filhos de casais casados “ de papel passado”, duvido que hoje em dia eles continuem fazendo esse tipo de exigência...) Em tese há também a opção de nunca se casar, mas na prática a sociedade olha meio torto mulheres e até mesmo homens que nunca passaram por tal experiência ( “ Hum, deve ser de gênio difícil, sistemático/ metódico/ neurastênico, deve ser complicado,ligado demais à mãe, gay que não saiu do armário...” ). Se antigamente ter um só filho era condenável, hoje em dia é aceitável, compreensível e comum.Muitas mulheres se gabam de “ não saber fritar um ovo” e se declaram sem pudores “ dependentes da empregada” ( que, com a onda do políticamente correto, foi “ promovida” em nomenclatura à “ secretária”).
Hoje em dia é ultra-comum não se casar mais virgem, mas também ouço aqui e ali, mesmo que raramente, relatos de pessoas que, por motivos religiosos, decidem esperar o casamento. Hoje a maioria das mulheres estuda e trabalha, mas há as raras que, por própria conta e risco, decidem ser “ do lar”. Hoje até alguns homens decidem largar o emprego e cuidar da casa e das crianças! ( Ainda é bem incipiente, mas acontece...). Hoje em dia, separação é a coisa mais normal do mundo, daqui a pouco os filhos de pais casados no papel que ainda por cima moram juntos vão começar a ter problemas psicológicos...Nos anos 80 só a Monique Evans e meia dúzia de maluquetes tinham tatuagem. Hoje em dia até em meios mais tradicionais não faltam mulheres tatuadas ( mesmo que seja com uma micro-estrelinha no pescoço coberta pela cabeleira).Hoje em dia se fala de sexo abertamente mesmo que seja pra mentir... ( tenho uma teoria: “ relatos da vida financeira e e sexual são propensos a altíssima incidência de inverdades...” ). Hoje em dia tanta coisa pode, o céu é o limite, que acho que as coisas complicaram de vez.Não me atirem pedras, não estou defendendo uma volta ao passado, apenas estou constatando que, com 10.497.456 opções e outros tantos caminhos em branco ficou bem mais difícil escolher.

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