M... no ventilador!

Hoje circula pela internet a notícia, com o respectivo vídeo para devida comprovação, da tremenda saia-justa protagonizada pelo experiente apresentador Boris Casoy. Na última edição do Jornal da Band do ano, foi exibido o vídeo de 2 garis sorridentes, desejando votos de Feliz 2010 aos telespectadores. Logo após essa cena, entra a vinheta do jornal da Band marcando o início do intervalo comercial.Porém, por uma falha técnica, o áudio continua aberto e podemos ouvir as declarações do apresentador que acreditava estar compartilhando suas idéias apenas com alguns poucos colegas presentes no estúdio, até ser interrompido por alguém no estúdio que dá o alerta: “ Deu pau, deu pau!”

“Que merda, dois lixeiros desejando felicidades do alto de suas vassouras... dois lixeiros...o mais baixo da escala do trabalho.” – foi o que Casoy disse, entremeado com risadinhas irônicas.

Aqui, a notícia e o vídeo.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u673580.shtml


Obviamente que a notícia vazou, tomou grandes proporções, atingiu Orkut e Twitter...vários jornais on-line publicaram, parece que o apresentador reconheceu o erro e fará um pedido público de desculpas no jornal.

Pois bem, ao invés de meter o malho no apresentador ( coisa que já tem gente demais fazendo), prefiro encarar a questão por outro aspecto: quantas coisas pensamos, quantos preconceitos até estão num nível consciente nosso e,no entanto, nunca ousaríamos admitir publicamente?! Não, de forma alguma pois isso abalaria nossa imagem diante dos outros, como agora acontece com o Casoy.Então,usamos o que Jung, há muito tempo atrás, decidiu chamar de “persona”.

“Com o desenvolvimento da consciência, o ser humano, que é gregário por natureza, necessita desenvolver algumas características básicas para a adaptação social em contraste com seus instintos animalescos. É a persona o arquétipo desta adaptação.
O nome vem da antiga máscara usada no teatro grego para representar esse ou aquele papel numa peça e tem, para Jung, o mesmo sentido, ou seja; persona é a máscara ou fachada aparente do indivíduo exibida de maneira a facilitar a comunicação com o seu mundo externo, com a sociedade onde vive e de acordo com os papéis dele exigidos. O objetivo principal é o de ser aceito pelo grupo social a que pertence.
A persona é muito importante, na medida em que dependemos dela em nossos relacionamentos diários, no trabalho, na roda de amigos ou na convivência com o nosso grupo.
Como qualquer outro componente psíquico, a persona possui um lado benéfico e outro maléfico. Em seus aspectos benéficos, a persona auxilia a convivência em sociedade, extremamente importante em nossos atuais dias. Também transmite uma certa sensação de segurança, na medida em que cada um desempenha exatamente o papel dele esperado, da melhor forma possível. Assim, espera-se de um médico que se comporte como tal, que atenda o paciente e que o cure dos males que o atingem. De um bombeiro, que seja solícito e enfrente, sem grandes medos os incêndios, e assim por diante.
No sentido nefasto da persona, há o perigo de o indivíduo identificar-se com o papel por ele desempenhado fazendo com que a pessoa se distancie de sua própria natureza. Um médico, por exemplo, não é médico o tempo todo. Em casa é o pai, o marido, o filho e assim outras máscaras ele estará utilizando. Aqueles que são possuídos por sua persona, tornam-se pessoas difíceis de conviver, são rígidos em sua persona e exigem dos demais que se comportem igual a ele.
A persona serve também como proteção contra nossas características internas as quais achamos que nos desabonam e, portanto, queremos esconder.”
( Vanilde Gerolim Portillo).

Estou a anos-luz de me tornar uma boa samaritana mas sempre tive uma grande simpatia pela classe dos garis.Pode ser pq adoro a cor do uniforme deles, porque sou ultra-consciente da importância do trabalho que executam ou até, e acho que isso tem um peso enorme, pq tal categoria profissional em geral é formada por pessoas muito sorridentes e bem-humoradas.Pelo menos na minha parte da cidade, os garis são muito animados, dinâmicos, sorridentes e sociais.Eu seria absolutamente incapaz de dar uma declaração como o Casoy, nem em público nem em privado, e nem falando com meus botões.Não por ser uma Madre Teresa, irmã Dulce ou um desses seres evoluídos e provavelmente completamente despidos de preconceito, bem longe disso! Apenas não calhou, meu preconceito não encaixou com o dele.

Isso significa que tenho sim, meus variados preconceitos.E mais: alguns são tão bem escamoteados até de mim mesma, empurrados provavelmente a chutes pra bem dentro dos porões obscuros do meu inconsciente, que só tomei contato consciente com eles recentemente, à base de muita terapia, muita reflexão e with a little help from my friends.Sim, pq as vezes o preconceituoso nem nota que está guiando suas ações pelo preconceito, nem sempre os preconceitos se apresentam de forma tão ululante como no caso-Casoy mas sim de forma mais difusa, mais matreira, mais discreta, pelas nossas atitudes mais espontâneas e impensadas.


Analisando apenas por um viés meramente objetivo-utilitarista e nem um pouco religioso-humanitário ( já que não posso deixar de me dirigir aos agnósticos,grupo do qual já fiz parte um dia nem tão remoto assim...), a questão é mais ampla: o preconceito não é apenas cruel com as possíveis vítimas que podem se sentir feridas e condenável moramente por uma perspectiva religiosa-humanitária.É tambem um tiro no pé do preconceituoso.No caso-Casoy foi uma queimação de filme daquelas, em rede nacional.E muita gente que pode até ser capaz de preconceitos maiores e de frases mais chocantes na intimidade talvez estejam por aí hoje, empenhados na tarefa de malharem o Casoy-Judas.

Mas a maior sanção nem é essa... o preconceito rotula, cataloga, ficha as pessoas, diminuindo em muito o horizonte do próprio preconceituoso.Ele, deliberadamente, fecha muitas portas, restringe muitas possibilidades na vida por isso.

Em exemplos hipotético-simplistas:

Se Beltrano tem preconceito contra homossexuais, por exemplo, pode terminar deixando de contratar para sua empresa um candidato que seria o melhor incontestável para aquele cargo.Vítima do próprio preconceito, Beltrano termina se prejudicando ao escolher um heterossexual convicto que não tinha nem um quinto da capacidade de seu concorrente homo.

Se Cicrana tem absoluto horror aos flamenguistas, por exemplo, pode desmerecer um rapaz com a camisa do Flamengo que puxou papo com ela e, que ela nunca vai saber porque sequer deu chance pra que ele se fizesse conhecer, mas era uma ótima pessoa e muito compatível com ela.Apenas torcia por um time contra o qual ela tem um enorme preconceito...

Quantas situações como essa nos afastam, de cara, de pessoas que seriam ótimos amigos, colegas, parceiros, contatos?!

Em vezes que me despi dos meus preconceitos, fui agradavelmente supreendida.Uma das minhas amigas mais próximas, uma grande amizade-participante nos últimos 6 anos, me disse que não foi com a minha cara assim que nos conhecemos.Felizmente eu fui completamente com a cara dela e corri atrás de uma aproximação.Aos poucos fomos vendo que, apesar de termos temperamentos muito diferentes, somos muito compatíveis pois concordamos em certos valores éticos fundamentais tanto gerais como no tocante a forma de se levar adiante uma amizade.Ela foi uma ajuda fundamental para que eu conseguisse operar mudanças na minha vida, nos meus gostos, até na minha forma de ser e de agir.Cresci muito em inúmeros aspectos com essa amizade, segundo ela tão “ improvável” de início.

O mundo está cheio de pré- conceitos: podem ser os mais óbvios ou mais sofisticados (raciais, religiosos, contra as pessoas fora do padrão-físico apreciado socialmente, em virtude da classe social, do bairro onde se mora, do time de futebol, do nível de instrução, da profissão, do sexo, da preferência sexual....), a lista é infinita...mas todos eles terminam causando um mal objetivo não apenas ao destinatário, mas também ao remetente num efeito incontestavelmente bumerangue.

Não aqui posando de boazinha e arauto auto-proclamado da paz no mundo, isso realmente não é do meu feitio. Estou, isso sim, fazendo uma reflexão pública ( e um pouco superficial e geral, é vero)...talvez eu pudesse descer a minúcias dando detalhes práticos da minha experiência preconceitual específica e minha batalha para superá-la, mas melhor será não confessar meus preconceitos num
blog aberto ao público ao invés de no divã do analista, no ombro de amigo muito confiável ou com o meu travesseiro,os únicos lugares talvez indicados pra se confessar esse tipo de coisa... E o Casoy certamente há de concordar comigo...

1 comentários :

Regis disse...

Parabéns, gostei muito do post! ;-)