Quinhentos dias com ela

Há certas coisas na vida das quais nos afastamos mas, ao nos reaproximarmos, é impossível não se perguntar: "Puxa, como passei tanto tempo sem?! Agora vou querer isso pra vida toda!” Isso pra mim se aplica a situações tão diferentes como exercícios físicos regulares, saladas bem saudáveis, viagens, idas ao cinema,sexo no auge da paixão, convivência estreita com amigos e abraço de mãe.Na vida, às vezes sem nos darmos conta ou até mesmo nos dando conta mas sem esboçarmos uma reação vigorosa o suficiente pra mudar o curso, nos afastamos de coisas, situações e pessoas que nos fazem um bem daqueles.E como é bom voltar praquilo que nos é caro.

Seguindo meu projeto-de-antes-do-ano-novo de ir mais ao cinema, domingo passado emendei dois filmes: "Sherlock Holmes" e " 500 dias com ela". Apesar das deduções geniais e lógicas do Sherlock, foi na verdade o segundo filme, completamente não-linear tanto na linha do tempo como nas emoções, que me encheu de reflexões.

Trata-se da história de um jovem arquiteto acomodado num trabalho que não gosta ( de escritor e desenhista de cartões- de aniversário, namoro, condolências, etc....) que recebe uma injeção de ânimo ao conhecer a nova assistente do chefe.Fica visivelmente interessado nela de cara, pelos seus atributos físicos, e no fundo até torce pra que a menina seja do preferencialmente do estilo que os franceses chamam de “ sois-belle et tais-toi” ( Seja bela mas cala a boca!) que engloba aquelas mulheres que falam muito aos hormônios masculinos, mas bem pouco ao cérebro ou aos sentimentos.

Se ela fosse bonita mas arrogantemente convencida disso ou não tivesse gostos em comum com ele, se ele não a achasse espirituosa e ótima companhia não apenas para sexo selvagem no chuveiro mas para um pós-sexo de carinho e aconchego, e tb para brincadeiras, risadas, longos papos a dois, passeios de mãos dadas pela IKEA ( uma equivalente da brasileira Tok & Stok)...se ela fosse apenas uma menina bonita e babaca como ele e os amigos conhecem aos montes...seria tudo menos arriscado mas tb bem menos atraente.

Para seu temor e ao mesmo tempo entusiasmo, a menina se mostra divertida, acessível, prestativa, gosta das mesmas músicas que ele, tem senso de humor, se entrosa fácil com o pessoal do escritório...e ele não consegue evitar ficar completamente siderado por ela.( Temor sim porque dá um medo danado dar de cara com um ser que parece ser o “ nosso número” certinho, sem tirar nem pôr.Qdo consideramos que a pessoa tem uma combinação muito pessoal de características irresistíveis, que a gente procura sempre mas só bissextamente aparece, do tipo “ bom demais pra ser verdade” como diz aquela música que todo mundo conhece... esse medo da felicidade, sobre o qual fala tão bem o psiquiatra Flávio Gikovate ( vale a pena uma googlada), pode nos paralizar e nos fazer reagir com sabotagens furiosas. Há mesmo registros de gente que não banca a situação, arranja uma desculpa esfarrapada e bate em retirada.

“Pardon the way that I stare
There's nothing else to compare
The sight of you makes me weak
There are no words left to speak
So if you feel like I feel
Please let me know that it's real
You're just to good to be true
Can't take my eyes off you”



No filme é mesmo bom demais pra ser verdade e a dita menina, traumatizada pela separação não-superada por ela dos pais, não está pronta pra um feedback do mesmo calibre.Ela quer com ele, no máximo, conversas espirituosas, momentos de aconchego/brincadeira e sexo no chuveiro.E só.E deixa isso bem claro desde o início.Ele ouve isso desde o início, mas entra por um ouvido e sai pelo outro, ele não quer acreditar, acha que isso vai mudar... ( Som de carapuças caindo para a platéia, como máscaras numa pane aérea...rs Sirvam-se, eu já peguei a minha, ops, minhas! Quem dera que tivesse sido uma vezinha apenas....)

É engraçado como esse personagem masculino representa tão bem homens e mulheres tão conhecidos de todos nós ( por vezes até nós mesmos...)Quem não conhece alguém que resolveu se jogar de cabeça, tronco e membros numa relação apesar de enunciações claramente verbalizadas da outra parte de “não quero nada sério”, ou sinais retumbantes dados pelas atitudes??!!( Desinteresse, sumiços, síndrome de evitar se encontrar no fim de semana ou de evitar cronicamente não ligar no dia seguinte....).


É comum esse descompasso, tanto que recentemente ouvi de diversas pessoas situações tão semelhantes: variações sobre o mesmo tema, com mudança de nomes e algumas peculiaridades.

Amor correspondido em medidas praticamente equivalentes de sentimento, dedicação e objetivos é algo tão raro que movimenta uma grande roda, desde os antiqüíssimos contos de fada, passando por comédias românticas açucaradas até os moderníssimos sites de encontros e agências de relacionamento.Descompasso de tudo, de afinidades, de sentimentos, de propósitos...isso é a coisa mais fácil de achar por aí e nos gera muita frustação e dor, sempre em cotas pessoais, intransferíveis e proporcionais às nossas cotas na sociedade encerrada.

Podemos aprender com a experiência a evitar temerários saltos mortais de costas já nos 5 minutos do primeiro tempo, mas tb ficar agarrada sempre à terra fime certamente se mostra método contra-producente e covarde.Mais cedo ou mais tarde, praticamente todo mundo se joga de novo.Uns caem de barriga, outros de cabeça,o novo tombo pode até nos fazer lembrar de uma queda que achávamos ter esquecido, mas que ainda nos dói na lombar e na alma....(Minha primeira paixão dessas me aconteceu aos 17-18 anos, e admito que foi bem difícil abrir a tampa do bueiro e voltar à superfície depois...rs.) A primeira experiência de rejeição de nossas vidas adultas, pra valer, em cheio mesmo, a gente nunca esquece.E, se quisermos superar o trauma, teremos que nos expôr outras vezes, lembrando que “quem não arrisca não petisca”.

Com o tempo, a experiência e alguma inteligência emocional a gente até termina aprendendo a não ser tão kamikaze...Mas tudo é paulatino: primeiro a gente desde um degrau do trampolim, depois outro...pode até voltar a subir mais alguns qdo a piscina parece ser bem construída, e a água bem tratada...mas volta e meia, apesar de precauções aqui e ali, não tem jeito: a gente termina se atirando numa piscina que de longe parecia cinematográfica para se dar conta apenas tarde demais que se caiu mesmo foi num reservatório infestado de mosquitos da dengue! :-/
Nessas horas saber nadar ( ou ao menos boiar com a cabeça pra fora)é de valor inestimável.

5 comentários :

Pri. disse...

Huahiahiuaui! Aqui tb está uma calor infernal.. Mas quando sei que vou passar o dia em ar condicionado, abuso um pouco! Heuhue! beijoo!

maisumteste100010001000 disse...

Ok... mas a vida é assim, ora se arrisca, ora não. ORa se tem vontade de ficar amarrado, ora não.
Achei que vc fosse fazer um pequno comentário sobre o fim do filme. Afinal, o cara perseguia tb uma coisa pré definida, um sonho, uma expectativa sobre o relacionamento que gostaria de ter. E depois se depara com novas atitudes, positivas, e descobre que existe o inusitado. Enfim, algo como renascer das cinzas. Nao sei se vc concorda.

Taimemoinonplus disse...

Oi,Thomas!

Meu foco principal foi como é raro encontrar alguém que esteja no exato comprimento da onda que vc.Eu,por ex, já estive dos dois lados da onda:doida pra me envolver,levando o cara a super a sério...e ele nem aí!(Aiaiai, isso dói!) Já estive tb do lado oposto: vendo que o homem tinha as "melhores intenções" comigo e eu há milhas de querer um namoro...( Tb é triste pq é chato decepcionar alguém, e mais ainda alguém que gosta de vc!E as vezes a pessoa é super boa gente e vc adoraria realmente gostar dela, mas não rola!Aquele cliché de " o coração tem razões que a razão desconhece...".


Na verdade, acho as duas situações ruins pois na primeira a gente se frustra e na segunda frustra o outro. :-/ O ideal é qdo ambos querem tudo ( essa é maravilhosa mas é mais rara do que os desencontros multiplos) ou ambos não querem nada, aí fica todo mundo feliz! :-)

Sobre o fim do filme, realmente deixei de comentar, hehe,bem observado! Acho que ele queria, como vc disse, relacionamento em certos moldes mas demorou um tempo considerável para cair a ficha que não poderia ser com a Summer!Qdo ele finalmente conseguiu tirar o cavalinho da chuva( afinal não era pra menos,ela tinha até casado com outro!),finalmente começou a olhar para os lados e a ver que tinha outras oportunidades.O relacionamento com a Summer, apesar de frustrante e doloroso, serviu até pra dar uma sacudidela nele, a ponto de questionar os rumos de sua vida profissional.
Os relacionamentos que a gente vive nos modificam e, mesmo qdo há a frustração de " não ter dado certo", terminam dando certo em outros aspectos nos fazendo ganhar experiência e repensar nossas escolhas em vários âmbitos.E podem nos acarretar um considerável upgrade!
Felizmente que somos capazes de um inesgotável instinto de fênix e que depois de um belo pé na bunda pode vir a bonança! hehe

Unknown disse...

O que seria de nós sem estes desencontros? Não aceito outra resposta: amar é a finalidade maior desta vida. Sem amor nos fodemos. Literalmente. A vida passa a ser uma masturbação sem fim: pode até dar prazer, mas não traz plenitude. Amor e paixão são territórios cheios de arapucas. Uma delas é achar que não vamos nos envolver quando escutamos o outro dizer que não está interessado em algo sério. Esta premissa aciona automaticamente a competitividade inerente a todo ser humano. É a lei de conservação das espécies, algo assim, quase darwiano. Precisamos nos conservar sãos e em dia com nosso ego. Queremos evitar receber porrada na aorta.

Maxmilian do Valle Ziegelmüller disse...

Não sou fã de filmes românticos, mesmo que cômicos, mas esse gostei bastante e ainda me fez lembrar o quanto as relações me fizeram, e como eu fiz as relações: meio Ortega Y Gasset... rsrs