Retumbantes detalhes

Outro dia, uma amiga me relatava seu mal de amor. Estava envolvida com um cara que cantou em prosa e verso como ela era especial, a cercou por todos os lados, elogiou, adulou,disse várias coisas que ela queria ouvir, a perseguiu... Numa dessas coincidências da vida, toparam por acaso quando ela já estava com várias doses a mais e capacidade de raciocínio a menos e terminaram na cama.

Ato contínuo ao fim da transa, ele resolve discutir a relação. Estranho comportamento pra um homem? Muito. Pensando melhor, não se tratava de discutir e sim decretar unilateralmente. Ele, que até poucas horas atrás derramava elogios e induzia veementemente pensamentos a respeito do futuro (conjunto), resolveu dizer bem claro que as coisas iam parar por ali. Ele estava com muitos problemas, muito trabalho, muitas questões, ela era especial demais, mas que ali era o ponto final. Ouvindo aquilo tudo, eu perguntei: ‘ Mas peraí, antes de vcs transarem a vida dele estava ótima, trabalhando pouco, sem maiores questões existenciais... e tudo desandou qdo vcs transaram?!”(E a transa, segundo ela, tinha sido das melhores...)

Já ouvi casos de caras que tem a mais absoluta certeza de que não podem sequer respirar sem tal mulher específica, que ela é o máximo dos máximos, que ela o deixa louco e o faz sentir coisas que nunca antes sentiram e magicamente, de uma hora pra outra, nem se dão a educação de responder um e-mail. Será que a pessoa teve um surto? Certamente que não. As mulheres que não souberam ler os sinais (Não querendo punir a “vítima” com mais culpa ainda, mas não dá pra dar bobeira, se permitir ser vítima... e depois chorar pitangas.). Somos adultos, não somos?! Então provemos! E em benefício próprio, de preferência!

Certamente que o camarada deu sinais (e deu mesmo porque interrogando-a tecnicamente detectei os furos, os momentos de cegueira-seletiva...), mas minha amiga se apegou aos sinais que lhe apeteceram e fez vista grossa pros sinais não-perfumados, justamente aqueles pros quais ela deveria ter dado mais atenção. As palavras são a parte mais facilmente enganosa de uma relação de sedução. Minha amiga, meu amigo, desligue o áudio das palavras acariciadoras de auto-estima tão facilmente pronunciadas em série e em vão e me responda com sinceridade: as atitudes desse cidadão ou cidadã parecem estar em consonância com toda aquela profusão de elogios ou com aquele suposto interesse todo?! Ele ou ela te deixa no vácuo, não responde telefonemas ou e-mails e depois vem de conversa mole como se dependesse de você pra respirar?! Mande catar coquinho no asfalto nos primeiros 15 segundos de conversa-fiada, antes que seu rabo comece a abanar por conta própria. Antes que seus ouvidos sejam engabelados pelo canto de sereias genéricas.

Minha tese é que, a menos talvez em casos de bem mais graves, de psicopatas de filme americano, todo mundo dá sinais de quem é, do que desejam da relação e temos todos tempo hábil pra cair fora qdo acharmos mais conveniente ou ficarmos em guarda. Isso vale pra todo o tipo de relação: amizade, namoro, sexo casual, rolo, casamento, relação profissional, comercial...(Outro dia li no blog do Christiano Dortas o post “Amor do cão” em que ele fala sobre o que é se apaixonar perdidamente por alguém intermitente como pisca-pisca: corresponde, não corresponde, corresponde, não corresponde. Procura, some, procura, some, procura, some. E o apaixonado-canino sempre na expectativa da chegada do dono, de linguinha pra fora, sempre abanando a cauda ao menor sinal de afago. Situação patética. O texto dele é interessante, vale a gogglada.)

O marido que espanca já foi um namorado ciumento e explosivo, a empregada rouba algo substancial um dia começou roubando coisas pequenas. E a patroa não notou. Ou notou e convenientemente fingiu que não notou pq, por um motivo ou outro, não estava disposta a mandar a funcionária embora.Gente faz vista grossa pros defeitos de alguém e algum tempo depois paga caro essa cegueira seletiva, tenha sido voluntária ou inconsciente.

Outra teoria que costumo aplicar com satisfatórios resultados é ver como a pessoa trata as outras pessoas, lato sensu. Já me afastei de amigas por não concordar com falta de ética delas com terceiros. Se uma pessoa é anti-ética com outra pessoa, ser anti-ética comigo é só questão de tempo ou oportunidade.Porém constato abismada como tanta gente fica perfeitamente à vontade tendo amigos/parceiros que sacaneiam ou são desonestos com terceiros, achando que a relação de amizade/amorosa os protege...Que espécie de burrice de conveniência é essa?!

12 comentários :

Regis disse...

Parabéns pelo post. Devia ser matéria na escola!

Taimemoinonplus disse...

A julgar pelos erros já protagonizados e presenciados, devia mesmo! A mãe devia começar a conversar isso com o bebê ainda na barriga! hehe

Canto do Dudu - Dudu Lopes disse...

Do I Ching traduzido pelo Wilhelm:

Lá onde um servidor assassina o seu senhor, onde um filho mata seu pai, as causas não se encontram entre a manhã e o anoitecer de um único dia. É necessário um longo tempo antes que as coisas cheguem a este ponto. Isso ocorreu porque não se parou a tempo aquilo que há muito devia ter sido contido. No Livro das Mutações se diz: "Quando se caminha pela geada, o gelo sólido não estará longe". Isso mostra até onde se pode chegar quando se permite que as coisas sigam o seu curso.

À Sombra do Café Nice, por Luciano Garcez disse...

Bonita análise, Ana, de uma típica extro-into: do tipo, flor que floresce raízes e raíz que se abre em pétalas. Mas o homem é sempre um ser da ausência e do descontínuo - e a mulher, é o tempo perene. Há no homem um desejo de ascese e (mesmo q ele negue isso "racionalmente", e a racionalização é uma defesa psíquica, como vc sabe) e queda, ao passo que a mulher é o ser q observa em estado de suspensão factual. É o q digo na letra de uma canção, tão feminina q no meio dela literalmente a "Anima" ( o arquétipo junguiano) se põe a falar: "leite, além da morte um sumo, pra ler a sorte no tumulto, deite: água para o pó, mas não muito"... Baci.

Christiano Dortas disse...

Nossa! Típico de Ana mesmo. rsrs
Gostei do texto e da referência ao meu blog! :) Mas nem sempre dá pra ser tão racional assim e, principalmente, tão taxativa. Tipo, se uma pessoa tem determinada atitude em alguma época de sua vida, não quer dizer que será assim pra sempre. Temos que analisar pelo menos por um tempo a pessoa para ter certeza de suas reais intenções. Também acho que uma pessoa pode ser "desleal" a uma e ser leal a outra. Não é pq não age de forma sincera com uma, que não vai agir com outra. Talvez não seja sincera com determinada pessoa pq esta pessoa gosta de mentiras. Loucura?! Acho que não. Acho que tem pessoas que gostam de ouvir mentiras. Aliás, acho que a maioria adora conviver com mentiras...
Realmente temos que ficar de olho se uma pessoa é antiética com outras, mas não devemos levar isso como regra. Enfim, generalizar é perigoso. Beijos,
Christiano Dortas

Gustavo Gaspar disse...

Excelente texto!

Pelo que percebo, as mulheres em geral tem uma tendência a se vitimizar, em especial nas questões ligadas a relacionamentos, o que não acontece aqui com nossa amiga, que apresenta uma análise bem isenta e imparcial, salientando que a responsabilidade de "filtrar" as situações deve ser sempre compartilhada...
Mesmo depois dos 30 ainda há quem acredite em "mocinha e bandido", "Heróis e vilões" e "Cafajestes e moças indefesas"... Eu já penso que se há um abusado, com certeza há alguém que se deixa abusar... Ou como na letra de um antigo sucesso do Eurithmics (Sweet dreams):

Everybody's looking for something

Some of them want to use you
Some of them want to get used by you

Some of them want to abuse you,
Some of them want to be abused

O curioso é perceber que no jogo amoroso a agonia da mulher começa justamente aonde a do homem acaba...

Abraços!

Taimemoinonplus disse...

Gustavo e caros leitores:

Acredito ainda em mocinhas e bandidos, assim como também acredito em bandidas e mocinhos, em bandida e bandida e em mocinha e mocinho. Também existe meio mocinha-meio bandida e meio bandido-meio mocinho, para abarcar todas as hipóteses existentes, só reaprendendo a fazer análise combinatória!!!! rs E isso não tem nada a ver com estar depois, ou antes, dos 30. Antes fosse! Envelhecer é obrigatório, amadurecer não...

Já conheci verdadeiras diabas praticamente bebês e senhoras de 50 anos com uma falta de malícia diametralmente oposta. Perspicácia, ainda mais quando o sentimento e carências estão envolvidas, não é coisa que necessariamente se ganha com a idade.Algumas pessoas, pelo contrário, ficam até mais frágeis e carentes com o passar dos anos.

Cada um é responsável pelas próprias atitudes, não tem essa de tirar o corpo fora dizendo “o outro poderia impedir e não impediu, então é porque aceitou.” Não necessariamente. Às vezes outra pessoa não tem vivência nem equilíbrio emocional suficientes para reagir e isso salta aos olhos. Quando estamos reconhecidamente lidando com alguém do nosso mesmo naipe, tudo bem, mas tem muito leão por aí que vai escolher a zebrinha mais magrelinha, mais capenga, com problema de visão, tadinha...e depois não podemos dizer “ Porra, mas que zebra burra, pq ela não fugiu?!” O leão verdadeiro lá na savana não tem preocupações éticas, ele quer é saciar seu estômago, mas já nós, supostamente seres racionais e civilizados, não podemos agir como leões numa selva. Para as leoas e leões urbanos, atacar a zebrinha mais raquítica é como tirar pirulito de criança.

Taimemoinonplus disse...

Culpa da vítima? Também, mas se me aproveito dessa deficiência dela sabendo do mal que estou causando, tenho minha parcela de culpa também. É como um motorista que faz m. no trânsito e sai do carro reclamando que aconteceu acidente pq os outros foram uns babacas que não souberam fazer direção defensiva, ora bolas! Certamente que os outros motoristas, se tivessem bastante perícia na direção defensiva, conseguiriam evitar o acidente, mas não se pode alegar a fragilidade do outro como desculpa pra se tirar o corpo fora da responsabilidade dos próprios atos. Sobretudo se eu tive o “ dolo” ( intenção deliberada) de induzir o outro em erro. O crime de estelionato baseia-se justamente nisso. E daria para ir absolvendo todo mundo dizendo “poxa, que vítimas mais burras, não lêem os jornais, que ingenuidade, essas vítimas são culpadas, vamos processá-las!” O estelionatário é geralmente um grande esperto que se vale da fragilidade (inclusive moral) da vítima (geralmente de querer levar vantagem também.)

O que eu proponho é que todo mundo, homens e mulheres modernas, saibam direção defensiva nos relacionamentos, assim diminuiremos os acidentes nas nossas estradas! E que fiquem de olho nos estelionatários e estelionatárias emocionais pra não chorar sobre o leite derramado depois!

Sem dúvida que a vítima tem sua participação também, e, se não fizer nada pra ganhar músculo, vai continuar sendo vítima até o fim. Todas as vítimas contumazes têm que refletir e descobrir como podem diminuir seu potencial de vítima.Há até uma ciência chamada vitimologia que se dedica seriamente a esse tipo de assunto.( É ligada à Criminologia e ao Direito Penal, mas pode ser transportada tb para o campo dos relacionamentos.)

Taimemoinonplus disse...

A professora Lola Anyar de Castro, renomada criminóloga venezuelana, em sua obra Vitimologia - tese de doutorado publicada em 1969, citando Beniamim Mendelsohn, sintetiza o objeto da Vitimologia nos seguintes itens:
1. Estudo da personalidade da vítima, tanto vítima de delinqüente, ou vítima de outros fatores, como conseqüência de suas inclinações subconscientes
2. Descobrimento dos elementos psíquicos do "complexo criminógeno" existente na "dupla penal", que determina a aproximação entre a vítima e o criminoso, quer dizer: "o potencial de receptividade vitimal"
3. Análise da personalidade das vítimas sem intervenção de um terceiro - estudo que tem mais alcance do que o feito pela Criminologia, pois abrange assuntos tão diferentes como os suicídios e os acidentes de trabalho
4. Estudo dos meios de identificação dos indivíduos com tendência a se tornarem vítimas. Seria possível a investigação estatística de tabelas de previsão, como as que foram feitas com os delinqüentes pelo casal Glueck, o que permitiria incluir os métodos psicoeducativos necessários para organizar a sua própria defesa
5. Importancia busca dos meios de tratamento curativo, a fim de prevenir a recidiva da vítima.

Taimemoinonplus disse...

O ultimo comentário ( técnico, sobre Vitimologia)foi retirado da Wikipedia. ;-)

Márcia Shintate disse...

Vivendo e aprendendo. A gente erra, a gente acerta. Queremos ficar de olhos abertos o tempo todo, mas acabamos dormindo no ponto. Gostamos do cara errado, nos apegamos às pessoas erradas, mas um dia a gente acerta. Talvez até aprendamos a votar. C'est la vie...

Taimemoinonplus disse...

Christiano:

Generalizar é perigoso, concordo com vc, mas também é um mecanismo que o cérebro humano usa como default para facilitar nossas vidas lá desde os tempos das cavernas. Nossos antepassados quando viam um espinossauro ( dinossauro carnívoro) generalizavam que ele devia estar com fome e provavelmente saíam correndo.O Espinossauro podia ser espinossaura e estar com cólica de TPM incapaz de correr atrás de qq presa que fosse, mas ninguém ia ficar ali perto pra conferir.

Quando entramos num ônibus, a gente generaliza que aqueles sujeitos sentados uniformizados no banco do motorista e do trocador são funcionários da empresa mesmo e não criminosos que vão seqüestrar o ônibus.
Ter que pensar muito pra tomar todas as decisões da vida, mesmo as mais prosaicas do tipo “subo ou não neste ônibus< seria muito cansativo, então nosso cérebro é programado pra generalizar, pois a generalização trás certa tranqüilidade e previsibilidade, mesmo que falsas.

Também concordo que não obrigatoriamente uma pessoa que é desleal com A vai ser desleal com B. Dando um exemplo exageradíssimo: há criminosos frios e cruéis, capazes de matar pessoas a sangue frio, mas que nutrem uma relação toda especial com a mãe, por exemplo, e com ela sempre vão agir da melhor forma possível. Com as pessoas que não estão nesse extremo, isso também acontece.Mas como diz a sabedoria popular “ cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”, qdo vemos alguém agir errado com terceiros mais vele ficarmos em guarda, com os sentidos ligados do que nos convencermos que “ imagina, essa pessoa me adora, jamais vai ser capaz de me fazer mal”. Se vc não resolver tirar o time de campo, que fique consciente do risco que corre naquela relação. Conheço inúmeros casos de pessoas infiéis que sacanearam com requintes de crueldade o parceiro e estabeleceram relações com pivôs de separações.Lá adiante nessa história, em muitos casos, se vê que a trama se repete sucessivamente.

Não há determinismo, mas há probabilidades. Acredito também em mudança, em regeneração.Já vi, por exemplo, Dom Juans crônicos, de repente, virarem pais e maridos devotados. Também acontece. Acontece de tudo, mas não faz mal nenhum se manter de olhos bem abertos e senso crítico a postos.

Também concordo que temos que dar um tempo pra avaliar o outro, mas é preciso cuidado: muita gente, sob esse pretexto, está se sabotando e deixando o cavalinho pegando pneumonia na chuva...