O delicado verbo ' FICAR '

A., na fulgurância dos seus vinte e poucos anos, estava realmente danada da vida por invasão de território: B.teria ostensivamente dado em cima- de forma bem-sucedida- de um rapaz com o qual A. já teria ficado.


Depois acrescentou que a relação com ele não era nada séria: o rapaz estava apenas de passagem pela cidade e havia deixado cristalinamente claro que aquilo não teria futuro.Ela topou assim mesmo.No entanto, ao sentir a aproximação de outra do seu objeto de desejo, advertiu enfaticamente que qualquer passo adiante seria encarado como uma declaração de guerra.B. deu de ombros pra ameaça e foi até o fim.Não apenas deu MUITA bola para o rapaz, como DEU MESMO, com várias vias reconhecidas em cartório, de acordo com testemunhas que afirmaram terem ciência que o rapaz tinha sido abduzido naquela noite mesmo.

A.fazia sua declaração pública de ódio a B.O público, cerca de uma dúzia de pessoas, assistia com alguns questionamentos ( " Mas B era sua amiga?", " Mas o cara não tinha deixado claro que queria liberdade?", " Por que vc ficou apenas chateada com ela e não com ele?-afinal quando um não quer, dois-salvo casos de violência-dificilmente transam...").Pouco importando as curiosidades da platéia- rapidamente respondidas - A. sempre voltava ao seu principal: o absoluto ódio que aquela situação lhe causara.

Eu, que achava que a geração dos vinte e poucos tirava de letra o descompromisso do moderno verbo " ficar" em todas as suas conjugações, fiquei um pouco surpresa.Sou de outra geração, a que começou a balbuciar esse verbo que, nos meus 15 anos, ainda era novidade.Vi e vejo muita gente da minha geração e até anteriores, conjugando-o com aparente destreza.Topar com uma representante da novíssima geração tendo tanta dificuldade de assimilação da mesma situação me causou um certo estranhamento.A.pouco estava se importando com a opinião alheia, achava o que B. tinha feito um absurdo, um desrespeito e ponto. Mereceria a forca, ou a guilhotina!

Tive um lampejo e me perguntei: " será que muita gente finge tal naturalizade perene em questões como essa a ponto de nos convencer que se incomodar é mesmo o comportamento dissonante?

Tudo é tão cool, tão normal, quase nada, só sexo...Ou pelo menos deveria ser...lá no contrato verbal ou implícito de descompromisso dos nossos tempos modernos. Só que, vez por outra, alguma coisa dá errado.Alguém se melindra. Mesmo aos 20 anos.

Pessoalmente entendi que A. tinha agido de forma bastante estranha com B. ao dizer para uma completa desconhecida: " Olha aqui, menina, fulano tá ficando COMIGO, cai fora.". Tal me soa nada razoável e muito autoritário.Fulano não é um ser inanimado, uma propriedade, um latifúndio invadido por posseiros a ser defendido pela força ou pela intimidação.


Eu terminaria acatando a ameaça, até porque tenho o mais absoluto horror desses conflitos de posse amorosa-sexual vulgarmente chamados " barracos". E também, qual a graça de um duelo de faroeste por um camarada que está apenas de passagem pela cidade?! Até mesmo porque, até onde sei, o Rodrigo Hilbert já mora mesmo na cidade mas, last but not least, está casadíssimo com a Fernanda Lima!

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